2009-10-18

Coincidências

Hoje estou a experimentar uma coisa nova. Passo a explicar: quando venho visitar os meus pais costumo isolar-me na sala pequena a trabalhar (ou digo isso quando na realidade ando por aqui…) mas hoje decidi vir ter com o meu irmão e cunhada e sentar-me com eles na sala enquanto eles vêem filmes e séries. Ah... Domingo passado de uma forma decente. Eu estou supostamente a escrever para a tese, o que é relativamente disfarçável porque basta um toque rápido de duas teclas e consigo exibir o texto que deveria estar a escrever. Esse vou atacar daqui a bocado, mas agora preciso de fazer uma reflexão sobre os acontecimentos de ontem.


(…)

As coincidências da vida são tramadas. O que pode acontecer por causa de uma conversa aleatória, sem grandes preparações continua a surpreender-me. Ontem fui jantar com os meus amigos num evento típico da minha terra natal. Estive com pessoal com quem já não estava há já algum tempo e, vindo do nada, uma amiga perguntou-me pelos quadros do meu pai. Se ele ainda andava a pintar. Agora que entrou na reforma, como tem mais tempo livre, deve andar a produzir mais quadros. Andar anda, mas de forma lenta.

Primeiro acho que a tenho de relembrar do seguinte:  O meu pai teve um glaucoma grave, foi-lhe mal diagnosticado um oftalmologista e tomou medicação que lhe afectou bastante a visão, consequentemente teve que ser operado aos dois olhos e neste momento deve ter qualquer coisa como 50% da visão. Consegue pintar, mas não deve - não pode (!) - abusar da sorte - concentrar a visão pode implicar um esforço que pode ser excessivo para os olhos. Portanto, ele tem que ter juízo e apenas gastar uma parte pequena do seu tempo livre a pintar. Senão arrisca-se a perder, de uma forma definitiva, a capacidade de ver.

Depois descrevo a realidade que conheço (afinal só estou cá ocasionalmente ao fim de semana e não consigo ver o que ele anda a fazer no resto do tempo). Ele tem pintado alguma coisa, mas como passou 15 anos sem vender nenhum quadro, tem a casa cheia deles. Precisa de motivação para fazer novos e decidiu que a venda pode uma forma de encontrar essa motivação. (E acredito que, como bónus, também lhe faça bem ao ego, o que é sempre bom).

Nesta altura ela pergunta-me, com algumas reservas, se o meu pai está a vender todos os quadros estão no blog dele. Eu digo que sim e os olhos dela começam a brilhar. Há um quadro em particular que ela estava muito interessada e pela descrição, acabei por reconhecê-lo. Digo que vou perguntar ao meu pai se está para venda e qual o preço. Como estamos no tal evento, onde toda a gente da cidade acaba por vir, encontro lá os meus pais e meto-me com eles: "Já arranjei comprador!". Ficaram interessados, acertamos pormenores e depois digo à minha amiga o preço. Obviamente, ela quis de tal forma o quadro que repetiu de forma incessante - ainda não tínhamos bebido o suficiente para ficarmos trocados, logo o incessante vinha mesmo da vontade de ela comprar o quadro: "Não te esqueças de dizer ao teu pai! Eu compro o quadro."

E pronto, voltei a ver o meu pai antes de ele se ir embora e ficou o negócio apalavrado.

Até que a minha mãe chegou a casa e decidiu ir ao computador. Precisamente naquele dia, uma colega dela pergunta-lhe por e-mail se o mesmo quadro estava à venda e qual o preço. Ok, até aqui tudo muito bem, uma coincidência simples, mas parece que a senhora, colega há já alguns anos da minha mãe já tinha feito diversas tentativas de compra do quadro. Parece que o adorava, mas o meu pai não o vendia. Azar do caraças... por uma questão de duas horas, uma insuspeita compradora passou-lhe à frente. Hoje, a minha mãe ainda tentou, de uma forma indirecta, atirar o barro à parede a ver se a minha amiga "estava mesmo interessada no quadro". Argumentei de forma linear, rápida e precisa para não haver dúvidas. A colega da minha mãe vai ter direito a um prémio de compensação, que é um quadro feito propositadamente para ela, o que, sinceramente, não é nada mau negócio... mas pronto, parece que vai ficar "extremamente triste e desgostosa".

Engraçado, releio a história e parece menos especial. Lá está, como estive no meio do fogo senti-a de forma diferente, mais intensa. Ao menos a minha colega adorou e tive a oportunidade de zelar pelos interesses de uma amiga. Isso soube-me bem. E a acontecer, só podia ter sido ontem. Naquela situação.

(...)

Gostei depois de dançar contigo no "nosso local do costume". Somos iguais na diversão. Foi assim que começou a conversa ontem - "somos demasiado parecidos na forma como nos divertimos na noite, como fazemos a festa e dançamos". A partir daí é extremamente fácil uma pessoa começar a levar estas compatibilidades para domínios mais... a longo prazo? Não sei se fui eu que comecei a conversa, quer dizer, não fui, limitei-me a achar piada à forma como nos pusemos a cantar no carro enquanto estavamos a ir para o local que servia refeições às 6 da manhã - dançar de forma divertida na discoteca durante umas horas cansa e faz apetite. Cantávamos com as mesmas entoações, a mesma intensidade, como um par de amigos que age de forma igual quando quer mostrar semelhança de gostos. A partir dessa cumplicidade decidiste abrir o jogo e dizer que começavas a pensar que não te sentias confortável com a ideia de te meteres com outra pessoa.

O que vai contra uma das regras. Não há exclusividade - isso vem com um namoro e é algo que não estamos a fazer. Olhaste para mim à espera de uma reação semelhante, mas acho que não a transmiti. Redireccionei a conversa para os factos (... tenho que admitir que é mais fácil para mim não pensar nas possibilidades).

Eu daqui a 2 meses vou abandonar a vida de estudante. Vou voltar a Lisboa. Apenas vou regressar cá ocasionalmente. E quero experimentar relações com outras pessoas. Isto está a ser muito bom para ultrapassar o complexo que tinha dantes, em que achava que a minha vida sexual com a minha antiga namorada era extraordinária e que seria díficil conseguir o nível de intimidade, satisfação, loucura, abertura... tudo com outra pessoa. Pensamento mais imbecil esse. E se calhar também tenho receio de experimentar uma outra relação... ainda não estou pronto. Ok, começo a dar-te recomendações: que tipo de decotes eu gosto, como prefiro o teu cabelo, formas de vestir e aceitas os conselhos todos... estás a querer agradar-me. Fazer-me as vontades, a transformares-te para eu gostar cada vez mais de ti. Sei que estás a fazer isso. E fico chateado e agradado ao mesmo tempo - não necessariamente por esta ordem.

Explorámos um pouco o tema, mas não modificámos nada. Mas já não estamos na mesma. Eu sei que se fizer alguma coisa com alguém, que vou-te estar a magoar. E não gosto disso. Mas o pior, é que o querer experimentar algo com alguém é mais forte que essa má sensação.

Posso estar aqui a escrever, a pensar, a divagar mas o facto é que apenas saberei quando estiver numa situação dessas, o que é algo que ainda não se proporcionou.

(***)

Listening to: CatPeople – Reel #1 / Sonic Youth - Rather Ripped

sobre a imagem: este não é um dos quadros do meu pai, mas sim o resultado da procura pela palavra "coincidências" na google images. Encontrei uma galeria online aqui e este quadro agradou-me particularmente. O autor é Asbjorn Lonvig e o quadro chama-se searching I or nothing I.

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